Os ministérios de louvor e os modismos da música gospel nacional foram tema de artigo do diretor da Sony Music, Mauricio Soares.
Soares fez reflexões sobre a ascensão e queda do modelo de ministério de louvor que priorizava músicas longas, identificada por ele como “mantras”, por suas repetições e conteúdo confusos.
O artigo “Observando o fenômeno dos ministérios de louvor no Brasil” traz um breve relato sobre as origens da explosão de ministérios de louvor que seguiam o modelo com inúmeros integrantes e um líder, que por vezes, era “disputado a tapas” por igrejas que pretendiam estabelecerem-se como referência.
Confira abaixo a íntegra do artigo de Mauricio Soares, publicado no Observatório Cristão:
Este tema está em minha lista de assuntos para ser comentado no blog já faz um bom tempo. Na verdade, faltou-me um bom desenvolvimento de idéias para seguir dissecando melhor esse assunto, mas agora, em meio a um vôo completamente hilariante entre a capital paulista e Salvador, me sinto estimulado a seguir com este tema. Sem me alongar muito nos comentários introdutórios, quero falar um pouco mais sobre o que aconteceu no Brasil por volta do fim da década de 1990 e início dos anos 2000, a saber: a proliferação de ministérios de louvor.
Até aquela época, os ministérios de louvor no Brasil estavam restritos em sua grande maioria às quatro paredes dos templos. Raríssimos eram os ministérios de louvor que tinham alguma estrutura mais organizada para seguir o que poderia ser chamado rusticamente de uma carreira artística. Mesmo Vencedores por Cristo, Grupo Prisma ou o Logus distanciavam-se do modelo de ministério de louvor de igreja seguindo numa linha diferenciada, mais independente. Com o sucesso do Ministério Diante do Trono vinculado à Igreja Batista da Lagoinha em Belo Horizonte arrebatando multidões em seus eventos pelo Brasil e vendendo milhares, às vezes até milhões de cópias de cada lançamento, o país viu surgir um movimento de ministérios de louvor jamais vivenciado até então.
Claramente baseados em ministérios de louvor internacionais, o fenômeno arrebatou o país e de uma hora para outra, igrejas de todo o canto passaram a seguir o modelo de adoração e louvor. A este fenômeno deu-se o nome de “adoração congregacional”. Esse movimento depois criou diferentes vertentes como a “adoração extravagante” e outros termos esquisitos, mas que no fundo apenas apontavam para um conceito de uma música mais espiritual.
Foi nesta época também que surgiram os ”mantras gospel” com músicas que duravam 15, 16 minutos com apenas uma ou duas frases … uma coisa realmente diferente, mas como todo modismo, difícil de ser entendida e explicada. Neste momento de nossa recente história, foi muito comum, diminutas igrejas com seus 100, 200 membros aventurarem-se a gravar seus CDs trazendo uma “nova proposta”, “um novo conceito de adoração”. Lembro-me bem que nesta fase, as lojas evangélicas tinham enorme dificuldade para estar por dentro do que realmente era sucesso, tal a profusão de CDs de igrejas sendo despejados no mercado. Um amigo meu que vendia CDs destas igrejas me dizia que o argumento dele para tirar pedidos era justamente dizer que aquele produto era da igreja do pastor tal ligado à visão celular e que eletinha não sei quantos seguidores e blá blá blá …
Em uma mesma região, ministérios de louvor disputavam espaço e cada qual tentava trazer uma “nova revelação”. E nesta corrida pela “nova revelação” surgiram estilos grotescos e o pior, teologias capengas, frases desconexas, chavões repetidos como mantras, expressões e coreografias … ah! as coreografias … quanta criatividade. E além de todas estas coisas, o líder de louvor (que passou a ter um papel tão importante ou às vezes até superior ao do pastor) assumiu uma posição de animador de auditório trazendo palavras de ordem e colocando o povo pra pular, sempre dando o grito de júúúúúúbiiiiiiiiiiiiiloooooooooooo … wow! Ripalápratrássiriquelaandaroipinazlocodeloco … wow!
Muita unção meu irmão! Também foi nesta época que as igrejas passaram a investir em equipamentos de áudio e instrumentos musicais de primeira linha, além de contratar músicos em tempo integral. Foi neste tempo que também chegamos ao non sense de vivenciarmos os líderes de louvor sendo disputados a tapa como se fossem engenheiros do pré-sal de hoje em dia.
A igreja era conhecida pelo grupo de louvor e não raras as vezes, o pastor se jactava de ter o melhor ministério de louvor do país!
Já no meio musical, outra mudança importante. Os artistas resolveram incluir o termo “ministério” em seus nomes artísticos. Então, aquele artista que até então era o “João da Silva” passou a ser conhecido como “Ministério João da Silva”. Alguns incluíram – talvez para tornarem-se mais santos e respeitados no meio – o título de pastores. Então, de uma hora para outra, artistas passaram a ser chamados de pastores. Confesso que não me recordo de conhecer um único destes que tenhafeito o curso de teologia, nem mesmo o de correspondência, ou seja, foram “levantados” pastores, mais um modismo em nosso meio. Afinal, alguém é “levantado” médico, dentista, jornalista, engenheiro?
Ainda bem que não!
Para diferenciar-se um pouco mais da turba reinante, alguns artistas resolveram inovar e passaram a ser conhecidos pelos nomes mais estranhos, sempre com a referência de ministério. Foi nesta moda que surgiriam nomes como “Ministério da Noiva Ungida”, Ministério Lâmpada para os Meus Pés”, “Ministério Luz para as Trevas”, Ministério Ouvir e Agir com Fé” e coisas do tipo ( todos estes nomes são fictícios, foram citados apenas para ilustrar a bizarrice reinante à época).
Mas passados alguns anos, o que podemos constatar é que, primeiramente, essa moda já passou. Em segundo lugar, que 99% dos artistas que antes denominavam-se como ”Ministério XYZ” hoje passaram a ser simplesmente reconhecidos com seus nomes de batismo (se vocês soubessem os nomes reais de boa parte dos artistas iriam se surpreender!) ou artísticos. Sugiro que você, leitor astuto do blog, faça um rápido exercício e passe a elencar alguns artistas que antes escondiam-se atrás de nomes pomposos de ministérios e que hoje são reconhecidos por letras garrafais com seus nomes próprios. A lista vai ser bem grande.
Também é notório que numa maioria avassaladora, as igrejas que mantinham músicos em tempo integral resolveram rever a idéia e hoje voltaram ao bom e velho modelo tradicional de músicos voluntários. A quantidade de problemas, trabalhistas inclusive, que se seguiram, acabou por reverter essa tendência. Recordo-me de um amigo advogado que conseguiu resolver uma situação nesta área entre músicos de tempo integral e a igreja. Durante muito tempo ele passou a atender praticamente só a casos desta natureza em todo o Brasil, tamanha a quantidade de problemas que surgiram. Outra questão perceptível é que grande parte dos líderes de louvor optou por seguir numa carreira solo onde também a esmagadora maioria não conseguiu nem de perto o sucesso e relevância alcançada anteriormente.
Musicalmente falando, a fórmula de adoração no formato de ministério de louvor, com um (a) crooner à frente e outros 89 back vocals disputando espaço no palco também caiu em desuso. As formações hoje, das poucas que restaram na ativa, são bem mais enxutas, vide o próprio Diante do Trono que depois de excursionar com dezenas e dezenas de pessoas, atualmente segue em turnê com uma equipe absurdamente menor do que outrora. O estilo musical também sofreu uma grande mudança: saíram os mantras e entraram os refrões de melhor assimilação. O andamento mais lento de antes, hoje foi substituído por muitas guitarras distorcidas, muita agitação e ministrações performáticas. O som ficou bem mais pop rock com o uso exagerado de expressões e palavras de ordem. O foco das canções também deixou de ser vertical para algo mais horizontal, mais direcionado ao ser humano, ao indivíduo. Essa mudança deu-se principalmente com as canções do Ministério Toque no Altar que trouxe uma nova diretriz para amúsica congregacional colocando o indivíduo no centro das questões … vide“olha pra mim”, “restitui, eu quero de volta o que é MEU …” e por aí vai …
Hoje podemos, diferentemente de anos atrás, elencar os ministérios de louvor que mantêm-se na ativa com relativo sucesso. Sem dúvida, ainda podemos destacar o trabalho do Diante do Trono, mesmo repaginado. Também o Renascer Praise com quase 20 anos de estrada se reinventando a cada ano. Mas além destes dois, talvez possamos destacar o Além do Véu (SP) que vem se firmando nos últimos anos e um ou outro grupo que num primeiro momento não consigo me lembrar. A verdade é que este modelo de“ministério de louvor” já teve um momento de ápice no Brasil e hoje está notadamente em baixa.
Entre diversos aspectos, o que posso afirmar sobre essa queda do modelo “ministério de louvor” vou destacar apenas alguns. O primeiro aspecto, sem dúvida, deve-se à saturação do modelo. Como toda moda, o exagero de repetições, o excesso de exposição acabam por determinar o seu próprio fim. A música é cíclica! Raros são os estilos que mantêm-se no auge por gerações e gerações. Mesmo nestes casos é fundamental que o movimento artístico se recicle. Além da própria saturação, o modelo “ministério de louvor” perdeu força pela falta desta reciclagem. O estilo musical não buscou novos caminhos, apenas optou por seguir um teórico estilo de sucesso no melhor “em time que está ganhando não se mexe”. Nem preciso dizer que 9 em cada 10 ministérios de louvor optaram por tornarem-se filiais do Hillsong, mesmo em Carapicuíba, Ananindeua ou Cruz das Almas.
Outro fator que determinou a queda do estilo foi a dificuldade de manter a unidade no próprio ministério. O que mais vimos ao longo dos anos foi a mudança de integrantes dos ministérios de louvor. Em certo momento parecia até aquele quadro do BBB onde os participantes vão sistematicamente saindo da foto. Essa desfiguração dos ministérios contribuiu para a perda de identificação do público com o próprio grupo. E quando isso acontece, fica difícil manter uma carreira artística com qualidade. Ainda vale a pena destacar a dificuldade de manter um trabalho em nível nacional pela grande quantidade de integrantes nos grupos musicais. Um artista solo pode viajar sozinho, com um assessor e em casos de banda, com 4 ou 5 outras pessoas na equipe. Já um ministério de louvor tradicional dificilmente se deslocaria com menos de 15, 20 pessoas. E isso acabou inviabilizando umamaior agenda de eventos pelo Brasil.
Particularmente creio que poderemos num futuro ter novamente esse modelo em voga no meio gospel no Brasil. Talvez com o exemplo desta história recente no país, possamos ter um novo formato, mais adequado às novas realidades, com propostas musicais mais interessantes e atualizadas. Vamos esperar o tempo e observar atentamente as novidades por todo o país!
Maurício Soares é diretor da Sony Music Gospel, consultor de marketing e observa o mundo gospel em seu blog Observatório Cristão
Fonte: Gospel+