O músico, compositor, intérprete e arranjador João Alexandre lançou recentemente seu DVD “Dois Tempos”. O DVD conta a carreira do cantor e traz canções interpretadas ao vivo e em estúdio. Conhecido por sua musicalidade, sua história é marcada por em 1983 ter participado de uma formação do inovador grupo Vencedores por Cristo. Suas letras sempre são voltadas para reflexões teológicas e sociais.
Confira uma entrevista realizada pelo Portal Cristianismo Criativo:
Portal Cristianismo Criativo – A entrevista é sobre arte, que você gosta pouco, e sobre música que você gosta menos ainda. Queria que você falasse o que arte e música significam pra você.
João Alexandre – Pra mim a música tem um significado muito profundo, porque Deus colocou a música na minha vida como maneira de resgatar os meus complexos – coisa que pouca gente sabe. Eu tinha um complexo muito grande, quando era menino: eu achava que era incapaz. Quando tinha 19 anos a minha mãe me chamou para contar umas histórias meio macabras… disse-me que logo que ficou sabendo que estava grávida, pensou em abortar. Só que ela já estava grávida de 4 meses e não teria mais como fazer isto. Acho que isto ficou impregnado na minha alma. Ela chorou bastante. Eu tinha meus complexos, mas não sabia desta história. Quando comecei a tocar, aos 12 anos, estes complexos começaram a desaparecer. Foi uma maneira que Deus encontrou para me dizer: “você tem seu valor”. A música é uma forma de arte muito poderosa – aliás, eu acho que qualquer forma de arte é poderosa em si mesma. Na mão de um cara que tem consciência de por que estava fazendo tudo aquilo fica mais poderoso ainda. Pra mim, pegar um violão e tocar hoje é um resgate, enfim, da minha história. Eu sou um sobrevivente. ´Tadinha da minha mãezinha querida, que confessou isto… já viu uma mãe pedir desculpa pro filho? Porque normalmente é o contrário que acontece. Foi o que ela fez, pediu perdão. Falei a ela que ela nunca havia demonstrado isto. Foi um resgate do meu relacionamento com ela, embora nunca tenha tido nenhum problema. A música veio pra mim como este presente de Deus dizendo: “você tem valor, você não é isto que você está achando”. E adolescente fica ainda pior nesta fase da vida… você acha que é um zero à esquerda.
Portanto, acho que música é uma forma de arte, que deve ser usada com responsabilidade para transmitir boas coisas. Não consigo entender música como algo que não transmita uma mensagem. Mesmo a música instrumental tem sempre algo a ser transmitido. Toda arte tem isto. Você vê um quadro, uma pessoa interpretando, um cara fotografando, tudo isto “toca” alguém. É por isso que uso com certa reserva. Música tem que ser usada de maneira correta pra não fazer mal a ninguém… só benefício.
Quando você não está tocando nenhuma música, quando não está exercendo sua arte, o que você gosta de fazer?
Que pergunta legal que você está fazendo, ninguém perguntou isto antes! Eu não toco violão em casa… eu não pego instrumento em casa.
Não?
Raramente. Eu pego violão quando tenho que fazer algum arranjo pra algum CD ou se for tocar ao vivo, daí eu crio uma coisa ou outra, mas eu não sou de pegar instrumento em casa. Silêncio pra mim é ouro. Quando eu não estou trabalhando eu gosto de silêncio, eu não gosto de ouvir nada. E pra mim é no silêncio que as coisas acontecem! É no silêncio que eu ouço as notas. Se eu vou escrever um arranjo, eu ouço aquela trompa, aquelas flauta, aquelas cordas… é no silêncio. E isto é um contraste, porque hoje em dia o pessoal não sabe o que é silêncio, né? O cara vive com um iphone na orelha, fica ouvindo música… o sujeito não para, não desacelera… Pra mim o silêncio é ouro.
E quando eu não estou fazendo isto eu gosto de coisas corriqueiras, como ver televisão, ver um bom filme, ler um livro, cozinhar, gosto de ir pra cozinha fazer bagunça, gosto de jogar conversa fora… adoro! Este ócio é maravilho. Ele me alimenta. Parece que fico à toa, mas é o ócio que me inspira, que me faz bem. Gosto de estar bem informado. Também me entristeço com qualquer notícia. Você vê alguém roubando… ando observando que cada vez fico mais caseiro. Para falar a verdade eu gostava de viajar, de sair. Ultimamente, até para ir em restaurante eu fico meio “chato”. Você gasta uma grana e não come tão bem quanto comeria em casa! Acho que tô ficando mais velho… gosto de ficar em casa! Gosto de ter minha cama… nenhum quarto de hotel substitui meu travesseiro, entendeu?
Que outras artes te inspiram?
Dança eu acho lindo… não balé, mas a dança como expressão corporal eu gosto muito. Outra coisa é a pintura. Acho lindo qualquer tipo de pintura. E outras coisas eu considero arte: cozinhar, por exemplo. Eu acho um barato a pessoa que explora o sabor dos alimentos, que sabe que o sabor do limão misturado com mel dá uma acidez assim, assado. Eu acho uma arte cozinhar! Fotografar eu acho lindo. O olhar do fotógrafo… teve um cara que fotografou um urubu atrás de um garoto africano (uma foto de Kevin Carter, que foi publicada no mundo inteiro). Foi tão chocante o que ele viu que acabou se suicidando.
Qualquer coisa que seja criativa, que esboce criatividade, me chama a atenção. Se um cara inventou uma máquina de descascar ovo de codorna, e as pessoas se perguntam como é que o cara inventou uma coisa dessas… eu acho lindo o cara ser criativo.
A arte pra mim não se resume só às artes formais. Qualquer coisa que demonstre a criatividade do sujeito – uma palestra, uma palavra, uma música, uma frase… Gosto dos pensadores… o Duke Ellington, por exemplo, tinha frases maravilhosas jogadas ao vento. Curto o que me faz rir: às vezes, coisas tolas me fazem rir.
Eu gosto de tudo o que é criativo!
Que artistas da contemporaneidade – pertencentes à Igreja ou não – inspiram sua vida?
Hoje, musicalmente eu posso citar o Dori Caymmi, que é um arranjador, um compositor famoso, filho do Doryval. Tem tanta gente boa. É tão complicado citar alguns nomes… Todos os que lutaram por uma causa justa. Gandhi, Luther King.
Faz um tempo que li um livro chamado “Os outros seis dias”, do R. Paul Stevens, que deixou de ser carpinteiro para ser escritor, me inspira.
Henry Nouwen me inspira. João Paulo II foi uma inspira. Egberto Gismonti, que é um cara que eu não conhecia muito, mas eu vi uma entrevista dele e fiquei abismado com a seriedade com que ele encara a música. Ele falou que se sente honrado de a música aceitá-lo há 30 anos. Madre Teresa de Calcutá. São pessoas dos quais “o mundo não é digno” (citando Hebreus 11). Passaram por este mundo e deixaram uma marca. Mandela… fora de série. Preso por tantos anos e não perdeu a esperança. Você se sente muito pequeno diante de uma pessoa assim. A humanidade do cara é muito exacerbada.
Tem o coração misercordioso…
Isto mesmo. Esta é a palavra certa. Qualquer forma de misericórdia me inspira muito.
Como você acredita que sua fé inspira sua arte?
Por saber de onde vem tudo o que eu faço e por saber que nada é mérito meu, não é merecimento, é favor divino, impagável, é graça, a fé influencia totalmente. Porque eu não consigo fazer uma música, qualquer que seja, sem falar em valores divinos. O Stenio fala que tem o mesmo dilema, que não consegue simplesmente fazer uma música só por fazer. Tem que ter algo mais!
Esta era minha próxima pergunta. Eu ia perguntar se você não tivesse a fé cristã, como lidaria com a música?
Eu não consigo separar. Se eu for falar da minha esposa, vou falar que ela é um presente de Deus… já tentei fazer diferente, mas não consigo. E aliás eu gosto de música que diga coisas certas. Tem música dos Beatles que fala da solidão, ou o livro que Cristianismo Criativo, coisas assim – que falam a verdade – mexem muito comigo.
Eu queria que você falasse um pouquinho sobre o DVD que você está finalizando… Eu soube que é o primeiro blue-ray no meio cristão…
Eu tenho tanta gente a agradecer: à Universidade Metodista de São Paulo pelo carinho, dizendo que era uma honra pra Universidade ter um DVD com meu nome… hoje, à Priscila, que proporcionou que a gente tivesse aqui no estúdio… a tantas pessoas que passaram pelo meu caminho… o Roy (do Núcleo de Artes da Metodista) e esse queridão que é o Didio (João Marcos, também do Núcleo de Artes da Metodista).
Penso que o DVD não é o total do artista, é o retrato do momento. Este momento está se prolongando, então estão aparecendo outras coisas no mei caminho. Hoje já está com uma cara diferente do que foi gravado lá (link). Tá tudo caminhando de um jeito legal. Nunca sonhei em gravar um DVD, estou todo presenteado, estou entregue.
Você é um cara que frequenta muito o ambiente das redes sociais?
Eu tenho minhas reservas com este mundo virtual. Lá você pode ser qualquer coisa. Se você basear sua vida num comentário feito no mundo virtual você pode detonar sua vida. Eu não me creio no que dizem na Internet porque todos os idiotas de plantão também estão por lá. Eu procuro sites que alimentam meu conteúdo de fé – que é o caso do Portal de vocês, que tem um conteúdo maravilhoso. Procuro sites de notícias boas, gente que procure a lógica, que não seja antiético. Eu leio muito e-mail… o Orkut pra mim é uma ferramenta de trabalho. Já recebi muito convite por lá. E cheguei a sair uma época por causa de alguns ataques à minha família. Gente pra criticar não falta. Você tem que se acostumar com isto e ter a consciência de qual é o seu lugar no mundo, do que Deus tem pra você pra não ficar influenciado por estas falas. Não pode pensar na possibilidade de um cara ter razão num comentário maldoso. Geralmente quem ataca você virtualmente não o conhece. As pessoas têm esta tendência de fazer um pré-julgamento. Tem hora que eu não ligo, mas tem hora que isto me afeta, sim!
E os comentários elogiosos…
Os comentários elogiosos eu não ligo muito, mas as críticas eu tento absorver. Eu procuro responder com gratidão, com educação, pedir que as pessoas orem por mim… Muita gente que elogia acha que você é um artista, que está em outro nível. Tem cara que pensa que você vive numa outra esfera, que vive só compondo… não se lembra que você também é marido, é pai, também tem seus problemas, seus complexos… as pessoas não conhecem você de fato. Mas eu também gosto de elogiar… e já percebi que quem gosta de elogiar também sabe receber elogio. E quando elogio, eu elogio mesmo!
Você acha que existe vida inteligente entre os artistas cristãos?
Existe sim. Existe vida inteligente fora dos circuitos comerciais. Existe vida inteligente em quem faz música que as pessoas precisam ouvir e não só do que elas gostam. A gente não precisa ser evangélico para ser cristão. Existe vida inteligente do ponto de vista de que Deus não é evangélico. Tem gente que já entendeu isto! Ainda existem alguns heróis. É neles em quem me apego, ouço, me inspiro… porque não é fácil você estar neste mercadão gospel… quando o dinheiro deixa de ser consequencia para ser objetivo, aí é muito chato… nada errado em ser comercial, mas existe quem se preocupa em fazer boas letras, boas melodias…
Muito obrigada!
Por Ana Claudia Braun Endo
Fonte: Gospel+
Com informações do Portal Cristianismo Criativo